Imergir
no impessoal junto ao mundo das ocupações revela que a presença (Dasein) foge de si mesma como seu próprio
poder-ser propriamente. (HEIDEGGER, 1998, p.247)
É sob a ótica heideggeriana
de conceito de impessoalidade que iniciaremos nossa abordagem acerca da
vivência inautêntica. A citação acima nos orientará no que tange a compreensão
de como o Dasein está sempre
vulnerável à impessoalidade podendo, assim, se ater a uma fuga constante de ser
si mesmo. No quarto capítulo de Ser e
Tempo Heidegger se atém a investigar o ser-
no –mundo, o ser-com e o ser-próprio e diante dessa temática podemos
recordar que; o Dasein está lançado
no mundo e sendo
“[...] o Dasein
é um ser no mundo que está envolto por numerosos seres como ele é por
outros entes que dele se diferenciam, simples entes que não possuem o caráter
de Dasein, por não possuírem esta
condição de abertura para o ser.” (NAVES, 2009, p.66)
Heidegger
nos orienta a retomar a diferenciação que há entre o Dasein e os outros entes que existem e nos orienta também acerca da
margem de possibilidades que podem haver na relação do homem com o outros
entes, ou seja, mesmo em constantes
relações o Dasein pode optar por desviar-se
do Man (impessoal).
A
impessoalidade estará sempre para o Dasein,
uma vez que ele é ser de relações e não pode se abster de estar passivo ao Man. O caráter da impessoalidade está
condicionado ao fato de que o Dasein
sempre convive consigo e com os outros, de tal modo que nenhum homem é dotado
de capacidade de existir sem estar aberto às convivências com outros entes. O
conviver com os outros é estar aberto ao impessoal de tal modo que: “Este
conviver dissolve inteiramente a própria presença (Dasein) no modo de ser do outro e isso de tal maneira que os outros
desaparecem ainda mais em sua possibilidade de diferença e expressão.
(HEIDEGGER, 1998, p.179).
Uma
vez que o Dasein se abre ao Man, ele passa a ver a questões de sua
existência também de maneira impessoal e, no que concerne ao tema da finitude,
a cotidianeidade experimenta a realidade do ser
–para- a –morte de uma maneira impessoal, quando o Dasein está aberto a uma
impessoalidade está também para um falatório[1]
(Das Gerede). O evento do falatório faz com que a morte
torne-se um caso de morte, ou seja, o Dasein desvia de ter que assumir a
certeza de sua finitude, o que o leva a não aceitar sua condição existencial,
assim também todas as questões de cunho existencial passam a não ter mais lugar na cotidianidade
do Dasein.
Essa
atitude gerada pelo falatório leva o Dasein
a entender que a morte é um evento reservado ao impessoal, “o ninguém, o
alguém”, nesse sentido a finitude existencial para o impessoal é um evento que
vai ocorrer ainda, é um por vir, nesse contexto a morte perde-se no impessoal,
ela torna-se um fato externo que atinge inesperada e improvisamente o existir
inautêntico do Dasein.
Aproximando-nos das colocações heideggerianas sobre a condição existencial do Dasein, somos sempre levados a tratar do
tema da morte e no que concerne compreender quais são as relevâncias que
dirigem o existir do Dasein a uma
vida inautêntica compreendemos que a inautenticidade é gerada pelo horror da
finitude, o Dasein não deseja
pensá-la nem experimentá-la, passa a observar a morte como um morrer dos
outros; o Dasein torna-se
despreocupado com as questões de sua existência, se refugiando na indiferença,
na tranquilidade e na curiosidade.
O
viver inautêntico é mascarado pelo desvio da certeza da finitude, é uma postura
adquirida pelo homem lançado à impessoalidade, é a impessoalidade que orienta o
homem à banalização das questões da sua própria existência, leva o homem a
deturpar a angústia visando assim fugir da possibilidade da morte.
Podemos
assim considerar que o que leva o Dasein
a viver de modo inautêntico é a constante fuga da morte, ele tende à ocupação[2]
(Besorgen), vivendo de coisas
meramente passageiras e desprovidas de sentido, é um renunciar a si mesmo se
perdendo na massa e nas ocupações. O Dasein
inautêntico vive sem uma visão de conjunto da existência (passado, presente
e futuro), mas ao contrário, vive focado no presente, aderindo ao impessoal, o Dasein tende a passar a se comportar
como decadente, aquele que renuncia ao seu ser autêntico ser no mundo, dispondo
da capacidade de decidir e se acomodar ao presente.
Podemos
levar sob julgamento se toda essa queda sofrida pelo ser do Dasein na vida inautêntica possa também
ter uma positividade, aceitando que ele torna-se importante para que o próprio
homem, mediante a “perda do eu”, passe a tomar consciência e se esforce para
resgatar a sua autenticidade, retirar o Dasein
do vazio é uma tomada de decisão que implica responsabilidade. O Dasein tem um potencial para contornar a
situação de inautenticidade, sendo que:
[...] o que se espera
do Dasein é aquela transcendência assumida frente às suas potencialidades, suas
reais capacidades, o que de forma nenhuma é algo que se consegue sem esforços
contínuos e inúmeras renúncias no transcorrer da existência. (NAVES, 2009,
p.74)
Neste âmbito, livrar-se de uma impessoalidade
requer do Dasein uma postura radical
e firme em vista da possibilidade de um projeto de vida no mundo mais
autêntico, de tal forma que se o Dasein permanece
na inautenticidade é consequência de uma estagnação na vida inautêntica, ele se
torna imóvel e conformado com seu estado atual.
Chegamos, portanto, a questionar se o que
condicionaria o Dasein a uma vida
inautêntica seria apenas fatores externos ao próprio ser do Dasein no mundo, contudo podemos
considerar que Heidegger analisa o ser do Dasein
e tudo o que o circunda. A adesão pela vivência autêntica ou não, é resultado
de uma série de fatores que perduram ao ser do Dasein, ou seja, são fenômenos citados anteriormente, gerados pela
certeza da condição existencial do Dasein.
É diante da certeza da morte que estes fenômenos são manifestados, ao passo que
também a inautenticidade pode se especificar como um dos norteadores que
contribuem para o sentimento de perda do sentido de ser no mundo (Das In-der-Welt-Sein), a inautenticidade
pode, sim, ser fruto de mudanças dos valores sociais e de uma crescente
infelicidade por parte da humanidade, ao fugir de sua condição de existente.
Podemos considerar que os fatores externos
também condicionam o viver inautêntico do Dasein,
pois eles podem servir de instrumentos para uma possível fuga do Dasein para evitar um confronto com a
angústia, fenômeno que quando não é aceito priva o Dasein de se encontrar e viver autenticamente. Esses fatores
externos sob essa temática aqui abordada podem receber uma nova roupagem
levando em consideração a problemática do tema da valorização da vida e
existência na sociedade atual; isso nos leva a perceber que a problemas de
cunho filosófico existencial podem ser agregados outras vias de interpretação.
TEXTO DE : JHONATAN DOS SANTOS FERREIRA-GRADUADO EM FILOSOFIA .PUC.MINAS
[1] Falatório (Das Gerede): “ O termo
alemão (reden) significa falar, discursar, discorrer. Dele se derivou a forma “
das Geredete” para exprimir uma conotação específica de excesso,
superficialidade e descompromisso com o que se fala. Esta conotação, porém,
corresponde a uma tendência constitutiva do exercício concreto da existência .
Para traduzi-lo, recorreu-se ao uso corrente da palavra falatório.” (
HEIDEGGER, 1998, p.323)
[2] Ocupação (Besorgen): “Não sendo uma substância, a presença sempre se dá num
exercício. Exercício indica e cumpre um centro irradiador de relações. Este
termo exprime-se com derivados de Sorge
(cura): Besorgen (ocupar-se) e Fursorge (preocupar-se).” (HEIDEGGER,
1998, p.312)
Nenhum comentário:
Postar um comentário