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segunda-feira, 29 de julho de 2013

VIVÊNCIA INAUTÊNTICA

 A Vivência inautêntica
                                                           Imergir no impessoal junto ao mundo das ocupações revela que a presença (Dasein) foge de si mesma como seu próprio poder-ser propriamente. (HEIDEGGER, 1998, p.247)
   É sob a ótica heideggeriana de conceito de impessoalidade que iniciaremos nossa abordagem acerca da vivência inautêntica. A citação acima nos orientará no que tange a compreensão de como o Dasein está sempre vulnerável à impessoalidade podendo, assim, se ater a uma fuga constante de ser si mesmo. No quarto capítulo de Ser e Tempo Heidegger se atém a investigar o ser- no –mundo, o ser-com e o ser-próprio e diante dessa temática podemos recordar que; o Dasein está lançado no mundo e sendo
no mundo ele é ser-com os outros e é ele mesmo conforme segue a citação:
 “[...] o Dasein é um ser no mundo que está envolto por numerosos seres como ele é por outros entes que dele se diferenciam, simples entes que não possuem o caráter de Dasein, por não possuírem esta condição de abertura para o ser.” (NAVES, 2009, p.66)

Heidegger nos orienta a retomar a diferenciação que há entre o Dasein e os outros entes que existem e nos orienta também acerca da margem de possibilidades que podem haver na relação do homem com o outros entes, ou  seja, mesmo em constantes relações o Dasein pode optar por desviar-se do Man (impessoal).
A impessoalidade estará sempre para o Dasein, uma vez que ele é ser de relações e não pode se abster de estar passivo ao Man. O caráter da impessoalidade está condicionado ao fato de que o Dasein sempre convive consigo e com os outros, de tal modo que nenhum homem é dotado de capacidade de existir sem estar aberto às convivências com outros entes. O conviver com os outros é estar aberto ao impessoal de tal modo que: “Este conviver dissolve inteiramente a própria presença (Dasein) no modo de ser do outro e isso de tal maneira que os outros desaparecem ainda mais em sua possibilidade de diferença e expressão. (HEIDEGGER, 1998, p.179).
Uma vez que o Dasein se abre ao Man, ele passa a ver a questões de sua existência também de maneira impessoal e, no que concerne ao tema da finitude, a cotidianeidade experimenta a realidade do ser –para- a –morte de uma maneira impessoal, quando o Dasein está  aberto a uma impessoalidade está também para um falatório[1] (Das Gerede).  O evento do falatório faz com que a morte torne-se um caso  de morte, ou seja, o Dasein desvia de ter que assumir a certeza de sua finitude, o que o leva a não aceitar sua condição existencial, assim também todas as questões de cunho existencial  passam a não ter mais lugar na cotidianidade do Dasein.
Essa atitude gerada pelo falatório leva o Dasein a entender que a morte é um evento reservado ao impessoal, “o ninguém, o alguém”, nesse sentido a finitude existencial para o impessoal é um evento que vai ocorrer ainda, é um por vir, nesse contexto a morte perde-se no impessoal, ela torna-se um fato externo que atinge inesperada e improvisamente o existir inautêntico do Dasein. Aproximando-nos das colocações heideggerianas sobre a condição existencial do Dasein, somos sempre levados a tratar do tema da morte e no que concerne compreender quais são as relevâncias que dirigem o existir do Dasein a uma vida inautêntica compreendemos que a inautenticidade é gerada pelo horror da finitude, o Dasein não deseja pensá-la nem experimentá-la, passa a observar a morte como um morrer dos outros; o Dasein torna-se despreocupado com as questões de sua existência, se refugiando na indiferença, na tranquilidade e na curiosidade.
O viver inautêntico é mascarado pelo desvio da certeza da finitude, é uma postura adquirida pelo homem lançado à impessoalidade, é a impessoalidade que orienta o homem à banalização das questões da sua própria existência, leva o homem a deturpar a angústia visando assim fugir da possibilidade da morte.     
Podemos assim considerar que o que leva o Dasein a viver de modo inautêntico é a constante fuga da morte, ele tende à ocupação[2] (Besorgen), vivendo de coisas meramente passageiras e desprovidas de sentido, é um renunciar a si mesmo se perdendo na massa e nas ocupações. O Dasein inautêntico vive sem uma visão de conjunto da existência (passado, presente e futuro), mas ao contrário, vive focado no presente, aderindo ao impessoal, o Dasein tende a passar a se comportar como decadente, aquele que renuncia ao seu ser autêntico ser no mundo, dispondo da capacidade de decidir e se acomodar ao presente.
Podemos levar sob julgamento se toda essa queda sofrida pelo ser do Dasein na vida inautêntica possa também ter uma positividade, aceitando que ele torna-se importante para que o próprio homem, mediante a “perda do eu”, passe a tomar consciência e se esforce para resgatar a sua autenticidade, retirar o Dasein do vazio é uma tomada de decisão que implica responsabilidade. O Dasein tem um potencial para contornar a situação de inautenticidade, sendo que:
[...] o que se espera do Dasein é aquela transcendência assumida frente às suas potencialidades, suas reais capacidades, o que de forma nenhuma é algo que se consegue sem esforços contínuos e inúmeras renúncias no transcorrer da existência. (NAVES, 2009, p.74)

Neste âmbito, livrar-se de uma impessoalidade requer do Dasein uma postura radical e firme em vista da possibilidade de um projeto de vida no mundo mais autêntico, de tal forma que se o Dasein permanece na inautenticidade é consequência de uma estagnação na vida inautêntica, ele se torna imóvel e conformado com seu estado atual.
Chegamos, portanto, a questionar se o que condicionaria o Dasein a uma vida inautêntica seria apenas fatores externos ao próprio ser do Dasein no mundo, contudo podemos considerar que Heidegger analisa o ser do Dasein e tudo o que o circunda. A adesão pela vivência autêntica ou não, é resultado de uma série de fatores que perduram ao ser do Dasein, ou seja, são fenômenos citados anteriormente, gerados pela certeza da condição existencial do Dasein. É diante da certeza da morte que estes fenômenos são manifestados, ao passo que também a inautenticidade pode se especificar como um dos norteadores que contribuem para o sentimento de perda do sentido de ser no mundo (Das In-der-Welt-Sein), a inautenticidade pode, sim, ser fruto de mudanças dos valores sociais e de uma crescente infelicidade por parte da humanidade, ao fugir de sua condição de existente.
Podemos considerar que os fatores externos também condicionam o viver inautêntico do Dasein, pois eles podem servir de instrumentos para uma possível fuga do Dasein para evitar um confronto com a angústia, fenômeno que quando não é aceito priva o Dasein de se encontrar e viver autenticamente. Esses fatores externos sob essa temática aqui abordada podem receber uma nova roupagem levando em consideração a problemática do tema da valorização da vida e existência na sociedade atual; isso nos leva a perceber que a problemas de cunho filosófico existencial podem ser agregados outras vias de interpretação.



 TEXTO DE : JHONATAN DOS SANTOS FERREIRA-GRADUADO EM FILOSOFIA .PUC.MINAS





[1] Falatório (Das Gerede): “ O termo alemão (reden) significa falar, discursar, discorrer. Dele se derivou a forma “ das Geredete” para exprimir uma conotação específica de excesso, superficialidade e descompromisso com o que se fala. Esta conotação, porém, corresponde a uma tendência constitutiva do exercício concreto da existência . Para traduzi-lo, recorreu-se ao uso corrente da palavra falatório.” ( HEIDEGGER, 1998, p.323)
[2] Ocupação (Besorgen): “Não sendo uma substância, a presença sempre se dá num exercício. Exercício indica e cumpre um centro irradiador de relações. Este termo exprime-se com derivados de Sorge (cura): Besorgen (ocupar-se) e Fursorge (preocupar-se).” (HEIDEGGER, 1998, p.312)

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