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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O Dasein livre e ser de possibilidades


2.2 O Dasein livre e ser de possibilidades

       O caráter da eleição do Dasein, deve antes passar pela aceitação de sua condição de existente no mundo. Antes de se eleger, ele deve tomar consciência de que ele é ser de possibilidades (Mogligchkeit) e estar ciente de que quem confere sentido ao seu modo de existir é ele próprio, ele é senhor de suas escolhas e decisões; na liberdade ele busca seu modo de ser no mundo e ser com (Mitsein).
O modo de existir do Dasein está sujeito a duas possibilidades fundamentais, ao que Heidegger nomeia autenticidade e inautenticidade. É pautado na reflexão da escolha de uma vivência autêntica ou não que muitos estudos vêm sendo realizados nos dias atuais acerca da perda de sentido de ser no mundo e consequentemente das interferências das relações.
Artigos e estudos vêm sendo realizados à luz da liberdade na eleição do modo de existir do Dasein; percebe-se concretamente que a influência dos estudos filosóficos a tratar do sentido do ser não perdeu seu espaço e importância, ainda hoje essa problemática vem sendo bastante desenvolvida.
Como um ente concreto que é o Dasein pode escolher-se a si mesmo na autenticidade ou abandonar esta escolha aderindo assim à inautenticidade. Para tratarmos de uma liberdade na escolha do modo de existência do Dasein, devemos antes nos situar ao tema da morte, mesmo não sendo aqui o fenômeno a ser tratado com bastante enfoque. As possibilidades do ser do Dasein estão intrinsecamente ligadas à aceitação da sua condição de existente, ou seja, a condição de mortal; é aqui que o ser mediante o seu existir cotidiano, no dia a dia, assume ou não a sua condição de mortal e decide se eleger como um ser autêntico ou inautêntico. O homem está aberto à possibilidade de viver intensamente o presente.
Apresentado o que se refere o neologismo Dasein e pontuadas previamente as possibilidades inerentes a ele, justifica uma abordagem, a título introdutório, acerca do que venha a ser a liberdade levando em consideração a aplicabilidade de seu significado para o desenvolvimento desse capítulo. A concepção de liberdade aqui explanada traz em sua essência a potencialidade de transcendência inerente ao homem, ou seja, ao Dasein. Comenta Thomas Ransom Giles o pensamento heideggeriano: “A transcendência é da própria essência do ser –aí, pois não é tanto o que é, mas também foi e não é, será o que agora não é. É de alguma maneira uma possibilidade colocada entre dois nadas, o passado e o futuro.’’ (GILES, apud. Naves, 2009, p.70). É visível o grau de proximidade acerca da semelhança e a dependência entre liberdade e o ato de transcender. É a transcendência[1] que tem por si a capacidade de um rompimento e negação das coisas, o que é propiciador para um bom uso da liberdade. Pode-se então dizer que há uma liberdade e uma transcendência no existir projetivo, ou seja, o modo de ser do Dasein impulsionado pela liberdade de escolha de seu modo de existir é o Dasein que é lançado como um projeto no mundo, e em meios às possibilidades ele se integra, uma vez que o existencialismo em si “[...]salienta a subjetividade, a responsabilidade e a liberdade individual do homem, que este só pode esquecer por má fé.” (SILVA, 2011, p.38).
Nada nem ninguém podem privar do Dasein essa sua conquista de ser livre, apesar das manipulações e das interferências do mundo onde ele está inserido. Ele tem em sua subjetividade um resquício da liberdade, assim, em todas as suas escolhas e eleições o Dasein é livre. Mesmo diante das manipulações possíveis o Dasein é livre.
Por fim, podemos considerar que é mediante uma reflexão acerca da liberdade que podemos assim situarmos o que seja a vivência inautêntica ou em terminologia apropriada, a autenticidade, que deve cruzar um percurso unida assim à consciência (Bewusstsein). É por meio da consciência que o Dasein toma a liberdade como parte integrante de seu ser; assim a consciência serve de orientadora e tem a tarefa de dirigir o Dasein ao contato e experiência do fenômeno da angústia, fenômeno esse que abordaremos no próximo tópico, levaremos em consideração a interpretação de Heidegger frente a influência da angústia sendo ela inerente ao ser do Dasein, é ela que impulsiona o Dasein a confrontar-se com inquietudes existenciais, podendo assim dar um passo à conferir sentido verdadeiro a sua vida, veremos  como o fenômeno da angústia pode ser também deturpado, gerando assim um temor da morte, algo que resultará numa vivência inautêntica.





[1] Segundo Martin Heidegger, o transcender é “relação entre homem (Dasein) e o mundo (...) O que é ultrapassado é própria e unicamente o próprio ente, isto é, qualquer ente que possa ser desvelado ou desvelar-se ao Dasein e, portanto, justamente aquele ente que o Dasein é, enquanto existindo, é ele mesmo.’’ Heidegger, portanto, considera a ‘’transcendência’’ como o significado do ser- no – mundo. Com isso a capacidade de “transcender’’ se refere a própria liberdade do homem perante o seu mundo na realização das possibilidades e projetos seus. (ABBAGNANO: 1982, p.931).














Significância do neologismo Dasein


2.1 Significância do neologismo Dasein
  Uma vez apresentada na introdução desse tópico a intenção de Heidegger em livrar-se de uma conceituação generalizada do ser, em uma Metafísica por ele considerada do “esquecimento do ser”, e frente à necessidade de um sentido do ser que fora em sua obra Ser e Tempo elucidado a partir dos parágrafos um e dois acerca da problemática do sentido do ser, dirigimo-nos agora a uma compreensão do que seja o Dasein, visando de tal modo apresentar o fenômeno da liberdade no modo da eleição do Dasein.
Em sua obra Ser e Tempo, Heidegger faz uso do neologismo Dasein para se referir ao ser do homem com suas aberturas de possibilidades de ser no mundo. É com referência ao Dasein que toda a sua reflexão filosófica ganha uma roupagem inovadora frente às abordagens já existentes. Heidegger, foi o primeiro a aplicar em sua investigação o neologismo Dasein.
 Para Heidegger, o Dasein é um ser no mundo, ser-aí, ser com os outros, é um modo de ser do homem que o faz ser privilegiado (personalizado) frente aos outros seres existentes, ou seja, aos entes intramundanos. O Dasein significa o modo de ser, de existir do existente, de um ente particular que é o homem. 
Justifica salientar que ao referir-se ao mundo em que o Dasein se insere, Heidegger o apresenta sobe três acepções: Umwelt utilizado para fazer menção ao ambiente, mundo à nossa volta; Mitwelt aplicado ao mundo-com, com as pessoas que estão em relação e, por último, o Selbswelt: que se aplica ao mundo próprio.
É o próprio Dasein que confere sentido a tudo que existe no mundo; ele existe como um conjunto de coisas utilizáveis que sempre estão à disposição, que é lançado à mão do Dasein, é ele quem atribui utilização às coisas.
Diz Heidegger em sua investigação da conjuntura[1] (Bewandtnis) e significância, no parágrafo dezoito, que é por intermédio do mundo que o que se manuseia está à mão. A expressão “ser no mundo” leva-nos a reconhecer que o Dasein traz consigo em sua bagagem ontológica a abertura para as relações; ele está vinculado ao mundo, é esta vinculação que constitui a sua existência, sendo no mundo, ele é ser com, ou seja, está lançado às relações, ele é presença, ele em seu ato de existir não se reduz a uma realidade dada e acabada, mas se abre a uma realidade que deve ser conquistada, projetada. O Dasein é um poder ser, é um projeto.
Comentadores de Heidegger traduzem o neologismo Dasein como presença, o existente aí, disponível, etc. Atendo-se à busca do modo de ser do homem no mundo Heidegger faz reflexões que muito contribuíram e contribuem nos dias atuais para uma melhor consideração ao que diz respeito ao modo de ser do Dasein.  O Dasein é ser de relações e o único que tem consciência de sua existência, assim como ser consciente ele tem a liberdade de eleger-se no mundo das possibilidades, o caráter da liberdade é um fato que norteia o modo de ser do Dasein, é na liberdade que o homem frente às possíveis formas do existir se elege.



















[1] Conjuntura: Ser e Tempo reserva esse substantitivo para caracterizar o processo de possibilitação da integração dos diversos modos de ser no mundo. ( HEIDEGGER, 1988, p.317)

UMA INTRODUÇÃO ACERCA DA METAFÍSICA DO ESQUECIMENTO DO SER.


2 UMA INTRODUÇÃO ACERCA DA METAFÍSICA DO ESQUECIMENTO DO  SER.



Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a metafísica, a questão aqui equivocada caiu no esquecimento. (Heidegger, 1988, p.27)                                                             
A investigação pertinente a esse trabalho parte da problemática de uma abordagem da Metafísica do esquecimento do ser para posteriormente abordarmos nos seguintes tópicos a inautenticidade e autenticidade existenciais embasadas nos escritos de Martin Heidegger, sobretudo em sua obra Ser e Tempo (Sein und Zeit), publicada no ano de 1927. Em seu tratado, Heidegger passa a assumir a atitude investigativa acerca da estrutura e primado da questão do ser. Ele visa, pois, aprofundar em sua investigação o genuíno sentido do ser. Nesse processo investigativo o ser é o objeto central. Por meio de estudos realizados sobre o tempo e suas implicações, o filósofo aqui abordado busca conferir sentido ao ser no horizonte temporal, ou seja, o homem como sendo sempre inserido num mundo, num espaço, numa realidade.
 A filosofia heideggeriana não se priva da investigação do ser, mas, sim dá a ela uma continuidade a fim de chegar até a resposta da grande problemática do caráter ontológico existencial. Esse caráter que consiste em entender o que é o ser e o que o faz ser na sua essência, uma vez que o homem sempre foi e será objeto de estudo, e, indagação filosófica e centro de uma busca conforme afirma Heidegger:
Deve-se colocar a questão do sentido do ser. Tratando-se de uma ou até da questão fundamental, seu questionamento necessita, portanto, de uma transparência conveniente. Todo questionamento é uma procura. Toda procura retira do procurado sua direção prévia. Questionar é procurar cientemente o ente naquilo que é e como ele é. A procura ciente pode transformar-se em investigação se o que se questiona for determinado de maneira libertadora. (HEIDEGGER, 1988, p. 30).

  Levando em consideração que a questão do sentido do ser devia sempre ser colocada, Heidegger, ao analisar a filosofia antiga que se embasava numa Metafísica e em uma ontologia, percebe que o declínio das questões sobre o ser perduravam levando a considerar que a questão do ser caia no esquecimento. Isso pelo fato do ser ter sido submetido a uma tendência de definição que generalizava, não realizando a distinção entre ser e ente[1].  Não obstante, Platão e Aristóteles, tomaram posicionamento em uma investigação sobre o ser, mas não de forma a realizar a distinção acima citada. Aos filósofos que os sucederam, consideremos que fizeram apenas uma retomada aos questionamentos ontológicos previamente levantados por Platão e Aristóteles; muitos filósofos na tentativa de definir o ser levaram em consideração alguns preconceitos já ocorridos nos expoentes gregos supracitados, ou seja, na leitura heideggeriana muitos filósofos recorrem as vezes ao caráter da generalidade absoluta na tentativa de definir o ser, o grande equivoco se instaura aí, o ser não pode se reduzir a ser definido em uma generalidade absoluta, apenas como um ente,  isso faz com que ele se desvalorize de tal modo, perdendo seu caráter de autenticidade, são esses preconceitos que orientam uma indiferença a respeito do problema do ser.
A fim de compreendermos em que consiste a Metafísica do esquecimento do ser recorremos a uma prévia retomada a concepção de ser atribuída pelos filósofos que marcaram o ocidente, a saber; Platão e Aristóteles levando em consideração que:
Platão é para o conjunto da tradição o protótipo do filósofo e marcou toda a história do pensamento ocidental, toda a filosofia ocidental, diz Heidegger é platonismo. Metafísica, idealismo, platonismo, significam a mesma coisa por essência. (HEIDDEGER,apud Boutot, p.78)

Sendo o platonismo um marco na história filosofia do ocidente aproximemos-nos das concepções do ser atribuídas por Platão e que repercutiu em seus predecessores a fim de chegarmos à compreensão do que Heidegger vai considerar como Metafísica do esquecimento do ser. Sabemos que o que marca a história da filosofia do Ocidente é também a busca pelo ser, mas de tal modo o ser investigado na categoria dos entes, ou seja, na concepção dos filósofos ocidentais o ser era tudo que existia, um objeto, um ente concreto, o que para Heidegger consiste em enquadrar o ser a um reducionismo, é baixar a categoria de ser aos entes, é uma Metafísica do esquecimento do ser pelo fato da própria tradição reduzir o ser ao ente, é uma forma de relegar o ser de tal forma que: “A metafísica, que reina sem concessões sobre a filosofia ocidental, desde Platão, é conduzida por uma por uma questão essencial: que é o ente? [...] ela procura saber o que constitui a essência ou a entidade (Seiendheit) do ente.” (BOUTOT, 1988, p.75).

Tanto Platão como Aristóteles, coloca a questão do ser como fundamento para estabelecer uma ciência (episteme) ou sabedoria (sophia), coloca o ser na esfera do inteligível e não do sensível, o ser é substância, é tudo que existe em um mundo das ideias, aqui nessa concepção verificamos que há uma redução do ser no mundo físico para o mundo inteligível, no campo da pura realidade abstrata. Dessa forma o objeto que confere a investigação Metafísica não se reduz a qualquer ser, mas ao contrário, investiga o ser enquanto ser, é essa investigação que levaria a elaborar uma ciência superior a todas as outras; a “Metafísica”. Para Heidegger o problema do ser ainda não havia sido colocado de modo peculiar uma vez que a tradição Metafísica apresentava lacunas pelo fato de não se aderir a uma investigação mais pertinente sobre o ser.
[...] a questão sobre o sentido do ser não somente ainda não foi resolvida ou mesmo colocada de modo suficiente, como também caiu no esquecimento apesar de todo o interesse pela metafísica. (HEIDEGGER, 1988, p.50)

A problemática é estabelecida a partir da constituição do conceito de ser e entes, daí surgirá após a guinada do pensamento filosófico da investigação ontológica do ser a necessidade de distinguir entes de seres. A Metafísica do esquecimento do ser vai se assentar na consideração do ser como mero ente, levando a considerar que tudo que existe é ser, e essa atitude de generalização não atribuía sentido ao ser. O conceito de ser é o que vai nortear o caráter investigativo de Heidegger quando passa a assumir a necessidade de uma investigação baseada na estrutura e primado da questão do ser, sendo que: “[...] o ser é sempre o ser de um ente.” (HEIDEGGER, 1998, p.35). Dessa consideração percebemos que Heidegger vai inaugurar a necessidade de colocar a questão do ser rompendo assim com a tradição Metafísica, Heidegger coloca a questão do ser sob uma ótica não reducionista e generalista.
A manifestação e reação de Heidegger é contra uma generalização, uma não definibilidade e uma evidência do ser. Para ele, estes são os preconceitos que devem ser aniquilados. Com isso verificamos que a questão ontológica do ser sempre foi um desafio e perdura até os dias de hoje, e sabemos também que responder à problemática do sentido do ser é uma tarefa árdua e que merece ser tratada mediante uma estrutura investigativa que dê conta de responder as questões básicas do ser, tais como a diferença entre ser e ente. Heidegger verifica que sua investigação deveria partir antes de um ente concreto para se chegar então à estrutura ontológica do ser, aqui ele se assenta sobre o argumento de que deveria antes passar por uma análise ontológica para se chegar a elucidar acerca de questões mais concretas. Seus escritos assim como de outros filósofos não se abstém de um plano, e é com base nesse plano que antes de dar uma resposta ao problema do ser Heidegger passa a considerar o ser e o ente, neste sentido ele começa a perceber que filósofos do Ocidente caíram na tentação de definir o ser de modo que não havia uma distinção entre ser e ente, aqui ocorre o que Heidegger considera o preconceito da generalidade.
          Identificamos a problemática e a tentativa de Heidegger em dar uma resposta ao que é ser, começando pelo passo de livrar o próprio ser de um conceito generalizado, passaremos também a tratar da compreensão da Metafísica do esquecimento do ser, pontuaremos de forma breve alguns expoentes e também verificaremos que apesar de uma visão muitas vezes opostas à de Heidegger as reflexões destes filósofos que iremos aludir aqui contribuíram para impulsionar Heidegger em dar uma resposta acerca do problema do esquecimento do ser, os preconceitos dos filósofos que iremos mencionar deram a  Heidegger o  motivo necessário para um posicionamento que culminou em uma postura de rompimento com uma forma de conceber o ser.
Martin Heidegger assim também como outros estudiosos que se dedicaram ao estudo do ser, dirige de modo peculiar ao estudo da estrutura e primado da questão do ser, ponto que é tratado no primeiro capítulo na obra Ser e Tempo, que demonstra e nos deixa compreender que a busca de um conceito do ser é uma tarefa árdua.
Ele nos levará a compreender que “[...] ser é o conceito mais universal.” (Heidegger, 1988, p.28) o que não nos dá o direito de assumir que sendo um conceito universal, não seja muitas vezes um conceito de difícil compressão. O objetivo aqui não é fazer uma história da filosofia, mas sim demonstrar o posicionamento de Heidegger sobre a Metafísica, nessa sua investigação ele trata de elucidar que: “[...] os pensadores que o precederam omitiram, salvo exceção, a questão do ser, que eles deixaram no esquecimento sem se darem conta, de resto de seu próprio esquecimento.” (BOUTOT, 1991, p.69).
É com referência ao título “Metafísica do esquecimento do ser” que Heidegger no início de sua investigação passa a levantar questionamentos que validam e passam a aderir-se a uma leitura crítica, se posicionando contra o modo que os filósofos concebiam o ser. A tarefa de Heidegger era realizar um estudo sobre o ser no mundo em vista de recolocar o seu sentido que, segundo ele, estava se dissolvendo por consequência de uma Metafísica que levara o ser ao seu estado de esquecimento.
A sua filosofia tem como objetivo a indagação em torno do ser que, segundo ele, fora esquecida pela Metafísica tradicional.
Esse esquecimento se deu em virtude do fato da tradição metafísica ter se convertido numa ontologia da substância, aquela que visualizava o ser em geral a partir da primazia da coisa, ou, dito de outro modo, que toma a coisa como paradigma de representação para tudo o que é. (BARBOSA, 1988, p.2)

Heidegger vai distinguir a Metafísica, enquanto esquecimento do ser, em três épocas no processo histórico: “os gregos: Platão e Aristóteles; depois os romanos e a Idade Média; e, por fim, a época Moderna: (Descartes, Kant e Nietzsche)” (BOUTOT, 1991, p.77). 
Cada um desses expoentes acima citados contribuíram de forma decisiva para uma disseminação particular de conceitos ao ser, ou seja, em cada período a Metafísica instalada dava ao ser um sentido, um conceito novo era atribuído a ele.  Essas épocas não estão ligadas, conforme segue a citação;                   
Elas não estão encadeadas umas nas outras à maneira hegeliana, mas formam, diz Heidegger; uma sequência livre e, todavia, de modo paradoxal, constituem igualmente etapas decisivas na consolidação do esquecimento do ser. (HEIDEGGER, apud Boutot, 1991, p.77)

O que fundamentava a filosofia antiga, e, por conseguinte toda a tradição filosófica era, pois, o homem (Dasein) tal como existe o ser- aí, sendo que “[...] todas as filosofias, segundo Heidegger, colocaram o sujeito (Dasein) no centro de sua problemática ontológica. A filosofia dos gregos não escapa a esta regra [...]” (BOUTOT, 1991, p. 71). A tradição ocidental aderiu-se sim às determinações do ser do ente orientando-os sobre o Dasein, mas é nesse sentido que a tradição passa a falhar, pois, os pensadores do ocidente passaram a negligenciar qualquer forma de interrogação possível acerca da estrutura ontológica do ser. É a filosofia do ocidente que recebe o marco do platonismo, da Metafísica, do idealismo e tem em comum a essência.
É Platão o responsável por edificar as linhas norteadoras de toda a Metafísica. Em sua concepção o ser e o ente ocupam espaços diferentes; “O ser não se encontra na coisa presente, mas para além, na ideia, que não é uma representação subjetiva, mas o aspecto ou face inteligível da própria coisa. ’’ (BOUTOT,1991.p.78)
  A Metafísica aristotélica por sua vez é uma forma de retomada, que vai além de Platão, o que não significa que Aristóteles chegou a encontrar a essência da autenticidade do ser. “A filosofia aristotélica pertence, pois, à história do platonismo e não escapa a esse título à história do esquecimento do ser.’’ (BOUTOT, 1991, p.79). O modo de pensar de Aristóteles é uma atualidade das coisas e não uma mera ideia de transcendentalismo, sua filosofia tem um marco significante na filosofia heideggeriana, e não deixa de se aderir a um realismo que vai se desenvolver como oposição ao idealismo de Platão. Podemos considerar que a filosofia de Aristóteles tem uma correlação com a filosofia platônica.
O período dos romanos representava um marco no processo histórico do pensamento do ocidente. Essa época “[...] é responsável, não apenas pelo enterro do pensamento grego primitivo, ou seja, do domínio original da verdade do ser que aflorava ainda em locais da filosofia de Platão e Aristóteles, mas também pela constituição do pensamento moderno.” (BOUTOT, 1991, p.79). 
A essência do período romano reside em assumir que o ser é a expressão do real no que tange a afetividade, essa foi uma determinação que percorreu ao longo de toda a história da filosofia do ocidente e, por conseguinte culminou nos tempos modernos atuais.
Vimos até aqui que, mesmo com a não intenção de apresentarmos uma história da filosofia, tivemos quer recorrer ao processo histórico para pontuar brevemente aspectos que nos levam a compreender o cenário onde de instaurou a Metafísica do esquecimento do ser e das concepções de ser que foram atribuídas em cada época. Heidegger de tal modo recorre às reflexões dos filósofos supracitados e são as teses desses filósofos, que serviram como inspiração para que houvesse um paralelo com a postura investigativa Heideggeriana a tratar do ser, assim diremos que Heidegger atribui ao problema do ser uma nova roupagem, ou seja, o insere no âmbito temporal, algo que outros filósofos não haviam suscitado ainda em suas considerações filosóficas. Isso se dá a partir do instante em que sua investigação passa a trazer colocações partindo do diálogo e da crítica com os filósofos que ele o colocou na categoria de expoentes da Metafísica do esquecimento do ser, Heidegger dá essa nova roupagem preparando a chegada de um pensamento mais autêntico sobre o ser, mostrando de tal modo que, o que se deveria pensar era o ser, o que ele vai nomear; Dasein, esse ser que ocupa um lugar, um espaço no mundo, é um ser-aí, no horizonte da temporalidade.
Os tempos modernos são considerados o grande marco de uma história da Metafísica, iniciando assim com a influência de Descartes a significância dada ao ser advém, pois, de “um período em que predominava uma nova determinação da verdade como certitude.’’
[...] Esta nova determinação da essência da verdade vai a par com a entrada do ser na esfera da representação ( o ser enquanto ideia), e com  a promoção do homem  à posição de sujeito, isto é, à posição de fundamento e de medida da verdade das suas representações, e portanto, do próprio ser. (BOUTOT, 1991, p.80).

                                     O ser considerado enquanto ideia que está para o âmbito da representação, leva-nos a reflexão acerca de uma possível veracidade. Podemos levar em conta que o “ser” se reduz a ser apenas no campo da mera representação. A tese de Descartes faz com que este se enquadre também na linha da Metafísica do esquecimento do ser mediante as colocações de Heidegger, estas que visam livrar-se dos possíveis preconceitos gerados pelos filósofos ao tentarem dar uma resposta no que consiste o ser.
     A filosofia de Kant assume o ponto de referência no cerne da filosofia moderna, torna-se o centro não meramente ao que se refere à temporalidade histórica percorrida, mas sim da história, isso pelo modo que aborda os princípios metafísicos deixados pela moderna filosofia de Descartes. Kant com sua Metafísica vai caracterizar o ser afirmando que; “[...] o ser reside nas condições de possibilidade da experiência. Estas desenham a estrutura da objetividade, ou ainda, o plano do ser do ente encontrado na experiência.” (BOUTOT, 1991, p.81). É a concepção de ser atribuída por Kant que constitui o ser como condição de possibilidade.
Ao aproximarmos dessa breve retomada ao contexto histórico frente ao esquecimento do ser na Metafísica, pontuemos Nietzsche que também contribuiu para o marco do esquecimento do ser com sua interpretação. Nietzsche “[...] inverte a Metafísica e promove o ente sensível, o mundo da vida e do devir, a posição do ente verdadeiro, e baixa o ser ao nível da pura ilusão, do que não tem qualquer afetividade.’’ (BOUTOT, 1991, p.81). É em Nietzsche, que a Metafísica vai passar a se enquadrar numa espécie de estado terminal, ou seja, se aproxima da falência de sua influência, ela começa a esmorecer-se. Expressa Heidegger: “[...] Nietzsche pensa a entidade do ente enquanto condição, enquanto aquilo que torna possível, apto, pensa o ser absolutamente no sentido platônico e metafísico.’’ (HEIDEGGER, apud. Boutot, 1991, p.82) ele leva o esquecimento do ser ao seu ápice.
Na intenção de conferir o verdadeiro sentido ao ser e colocá-lo em contraposição ao ente, ou, seja, o ente não é ser, cita Heidegger; “[...] o ser, não pode ser concebido como ente; enti non aliqua natura: o ser não pode ser determinado, acrescentando-lhe um ente.” (HEIDEGGER, 1988, p.28).
Verificamos até aqui que a tarefa de Heidegger era livrar-se dos preconceitos trazidos pela Metafísica, assumindo assim uma postura crítica frente à tendência de generalização do ser e conferir-lhe o sentido que lhe competia, sentido esse que consistia em atribuir ao ser não um sentindo que o identificasse com a objetividade, isto é, com a simples presença dos entes.
  Aqui já se percebe uma distinção sutil e preliminar acerca da concepção de ente e ser, e também em sua abordagem. Heidegger recorre aos entes intramundanos[2] para demonstrar que o Dasein está em relação a outros entes existentes e de tal modo o distanciar desses outros entes com caráter de superioridade, ou seja, o Dasein exerce uma superioridade frente ao outros entes, Heidegger vai separar o ser da categoria de ente, para o ser que tem em si uma superioridade pelo fato de dispor da possibilidade de saber quem ele é, e de se questionar, ao contrário dos entes intramundanos que não passam de algo que é, é tudo o que está aí, é tudo o que existe, mas de modo inferior ao ser (Dasein). A história da Metafísica é vista por Heidegger como uma corrente que procura dar um sentido ao ser indagando apenas os entes, identificando-se assim o ser com a mera presença dos entes, em sua investigação Heidegger conceitua a história da Metafísica como a história do esquecimento do ser.
 Portanto, uma vez já exposta a visão de Heidegger frente aos expoentes da Metafísica do esquecimento do ser, e também a sua tentativa de conferir sentido ao ser, passemos agora à compreensão do uso do neologismo utilizado por Heidegger em seu estudo sobre o ser; veremos o conceito, a aplicabilidade e seu significado. É acerca desse neologismo que se desenvolve toda a investigação filosófica de Heidegger presente, no primeiro tópico desse trabalho.



[1] Ente: Diz Heidegger: “Chamamos de entes muitas coisas, em sentidos diferentes. Ente é tudo aquilo de que falamos, aquilo a que, de um modo ou outro, nós mesmos somos”(Heidegger, 1988, p.29)
Enquanto ciência do ente, e não do ser enquanto tal, a metafísica é, necessariamente, dimorfa, A metafísica diz Heidegger: “[...] representa de uma dupla maneira a entidade do ente”.(HEIDEGGER apud Boutot, p.76)

[2] Entes intramundanos: são todos os outros entes existentes que não tem consciência de sua existência, é tudo o que existe, são entidades não humanas que estão no mundo.


A AUTENTICIDADE E INAUTENTICIDADE À LUZ DA FILOSOFIA DE MARTIN HEIDEGGER


                                                                    1 INTRODUÇÃO

Martim Heidegger, um pensador que se ateve a investigar o problema do ser, quis com sua filosofia conferir ao ser o seu sentido merecido, isso pelo fato de que a valorização do sentido do ser havia perdido sua espacialidade em um cenário em que persistia uma cultura da técnica, onde tudo era voltado para a representação, o que levava a um esquecimento do ser e que tudo se tornava um mero objeto.
A filosofia heideggeriana presente, sobretudo, em Ser e Tempo, vem ao encontro dessa situação, assumindo assim o papel de estudar a questão do ser do Dasein; termo que Heidegger utiliza para fazer menção ao ser-aí, ser no mundo, ser-lançado às possibilidades. O ser do Dasein é, antes de tudo, ser de possibilidades; é o próprio ser humano que se elege, o Dasein exerce em sua filosofia um posto superior em relação aos outros seres existentes, ao que Heidegger vai chamar de entes intramundanos, ou seja, tudo o que existe e que está acessível ao Dasein, que pode ser manuseado pelo homem Heidegger também considera que o único ser capaz de questionar sobre a sua existência no mundo é próprio ser do Dasein, e neste âmbito ele exerce uma superioridade frente aos entes intramundanos.
A investigação heideggeriana tem como cerne os problemas condizentes à estrutura e primado do ser no mundo, e tem como anseio buscar o sentido do ser.
Neste caso não podemos privar-nos de considerar que filosofia desde o seu início traz em sua essência o caráter investigativo acerca das coisas. Fica a cargo da filosofia existencial, ao que se refere a tênue existência humana, buscar conferir e dar sentido às indagações geradas pelo homem ao tentar compreender a vida e o porquê dela. A filosofia heideggeriana, não obstante outras formas de investigação, traz ponderações pertinentes à tentativa de aproximar-se mais de uma possível resposta as problemáticas advindas da condição de ser no mundo.
Essa pesquisa visa fazer uma breve retomada da visão heideggeriana sobre a condição de ser no mundo e levará em consideração pontos que orientaram a compreensão da autenticidade e inautenticidade à luz da filosofia heideggeriana. Procuremos, num primeiro momento, fazer uma contextualização da postura de Heidegger em relação à tradição Metafísica que, segundo o próprio Heidegger, levava o ser ao seu estado de declínio pelo fato da não distinção entre ser e ente, ao se tentar definir o ser. Posterior a essa abordagem, nos ocuparemos de tratar do caráter da liberdade do Dasein tendo em vista a sua eleição do modo de existir no mundo, o que nos obriga a fazer uma caracterização da autenticidade e inautenticidade existenciais, aproximando assim de uma possível resposta ao questionamento que orientou a elaboração desse trabalho. O questionamento consiste em identificar, nas teses heideggerianas, se o viver autêntico e o inautêntico se instauram apenas na discussão acerca da certeza da finitude humana (morte) ou se atribuímos as interferências do cenário histórico, no qual o indivíduo está inserido.
O objetivo desse trabalho se repousa na necessidade de recorrer também ao tema da morte, mas não de modo aprofundado, pois o ato de retomar o sentido de existir leva o Dasein a se confrontar com o tema da morte, veremos que o caráter da finitude humana está em intrínseca relação com os fenômenos do medo, angústia, temor, fuga, falatório e impessoalidade, fenômenos que nos levarão a compreender como Heidegger dá o passo propedêutico para resposta do sentido de ser no mundo.
As artimanhas presentes na massa, no falatório levam o Dasein a desviar-se da possibilidade de ser autêntico, não aceitar-se enquanto mortal que priva o ser de viver sua autenticidade.
Passemos agora ao desenvolvimento desse trabalho visando elucidar o que foi proposto: a estrutura do Dasein frente as modalidades do existir no mundo e as influências dessas modalidades existenciais na vida do Dasein, levando também em consideração como tem repercutido o caráter da inautenticidade na vida e na socialização do homem.