A reflexão filosófica
Reflexão
significa movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de retorno a
si mesmo. A reflexão é o movimento pelo qual o pensamento
volta-se para si mesmo, interrogando a si mesmo.
A reflexão filosófica é radical porque
é um movimento de volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer-se
a si mesmo, para indagar como é possível o próprio
pensamento.
Não somos, porém, somente seres pensantes.
Somos também seres que agem no mundo, que se relacionam com os
outros seres humanos, com os animais, as plantas, as coisas, os fatos
e acontecimentos, e exprimimos essas relações tanto por
meio da linguagem quanto por meio de gestos e ações.
A reflexão filosófica também se volta
para essas relações que mantemos com a realidade circundante,
para o que dizemos e para as ações que realizamos nessas
relações.
A reflexão filosófica organiza-se em torno
de três grandes conjuntos de perguntas ou questões:
1. Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos
e fazemos o que fazemos? Isto é, quais os motivos, as razões
e as causas para pensarmos o que pensamos, dizermos o que dizemos, fazermos
o que fazemos?
2. O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos
dizer quando falamos, o que queremos fazer quando agimos? Isto é,
qual é o conteúdo ou o sentido do que pensamos, dizemos
ou fazemos?
3. Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos,
fazemos o que fazemos? Isto é, qual é a intenção
ou a finalidade do que pensamos, dizemos e fazemos?
Essas três questões podem ser resumidas em:
O que é pensar, falar e agir? E elas pressupõem a seguinte
pergunta: Nossas crenças cotidianas são ou não um
saber verdadeiro, um conhecimento?
Como vimos, a atitude filosófica inicia-se indagando:
O que é? Como é? Por que é?, dirigindo-se ao mundo
que nos rodeia e aos seres humanos que nele vivem e com ele se relacionam.
São perguntas sobre a essência, a significação
ou a estrutura e a origem de todas as coisas.
Já a reflexão filosófica indaga: Por
quê?, O quê?, Para quê?, dirigindo-se ao pensamento,
aos seres humanos no ato da reflexão. São perguntas sobre
a capacidade e a finalidade humanas para conhecer e agir.
Filosofia: um pensamento sistemático
Essas indagações fundamentais não se realizam ao acaso, segundo preferências e opiniões de cada um de nós. A Filosofia não é um “eu acho que” ou um “eu gosto de”. Não é pesquisa de opinião à maneira dos meios de comunicação de massa. Não é pesquisa de mercado para conhecer preferências dos consumidores e montar uma propaganda.
Essas indagações fundamentais não se realizam ao acaso, segundo preferências e opiniões de cada um de nós. A Filosofia não é um “eu acho que” ou um “eu gosto de”. Não é pesquisa de opinião à maneira dos meios de comunicação de massa. Não é pesquisa de mercado para conhecer preferências dos consumidores e montar uma propaganda.
As indagações filosóficas se realizam
de modo sistemático.
Que significa isso?
Significa que a Filosofia trabalha com enunciados precisos
e rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre os enunciados, opera
com conceitos ou idéias obtidos por procedimentos de demonstração
e prova, exige a fundamentação racional do que é
enunciado e pensado. Somente assim a reflexão filosófica
pode fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças
e opiniões alcancem uma visão crítica de si mesmas.
Não se trata de dizer “eu acho que”, mas de poder afirmar
“eu penso que”.
O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual.
É sistemático porque não se contenta em obter respostas
para as questões colocadas, mas exige que as próprias questões
sejam válidas e, em segundo lugar, que as respostas sejam verdadeiras,
estejam relacionadas entre si, esclareçam umas às outras,
formem conjuntos coerentes de idéias e significações,
sejam provadas e demonstradas racionalmente.
Quando o senso comum diz “esta é minha filosofia”
ou “isso é a filosofia de fulana ou de fulano”, engana-se
e não se engana.
Engana-se porque imagina que para “ter uma filosofia”
basta alguém possuir um conjunto de idéias mais ou menos
coerentes sobre todas as coisas e pessoas, bem como ter um conjunto de
princípios mais ou menos coerentes para julgar as coisas e as pessoas.
“Minha filosofia” ou a “filosofia de fulano” ficam
no plano de um “eu acho” coerente.
Mas o senso comum não se engana ao usar essas expressões
porque percebe, ainda que muito confusamente, que há uma característica
nas idéias e nos princípios que nos leva a dizer que são
uma filosofia: a coerência, as relações entre as idéias
e entre os princípios. Ou seja, o senso comum pressente que a Filosofia
opera sistematicamente, com coerência e lógica, que a Filosofia
tem uma vocação para formar um todo daquilo que aparece
de modo fragmentado em nossa experiência cotidiana.
*****
Marilena Chauí é professora de Filosofia
na Universidade de São Paulo e uma das mais prestigiadas intelectuais
brasileiras, com presença atuante no debate político nacional
e na construção da democracia brasileira. São freqüentes
os seus artigos na imprensa, bem como sua participação em
congressos, conferências e cursos, no país e no exterior.
É autora de Cultura e democracia: o discurso competente e outras
falas, O que é ideologia?, Apontamentos para uma crítica
da razão integralista, Da realidade sem mistérios ao mistério
do mundo: Espinosa, Voltaire e Merleau-Ponty, Repressão sexual,
essa nossa (des)conhecida, Conformismo e resistência: notas sobre
cultura popular e Seminários sobre o nacional e o popular na cultura.
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